Neste sábado, 17 de agosto, celebra-se o Dia Nacional do Patrimônio Histórico no Brasil, uma data que destaca a importância da preservação de nossos monumentos, sítios históricos e culturais. Em Brasília, a comemoração deste ano é especialmente significativa, pois coincide com a sanção pelo Governo do Distrito Federal (GDF) do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB). Este plano estabelece novas normas para a ocupação do solo na região, buscando equilibrar a preservação do patrimônio histórico e cultural com as demandas de uma cidade em constante crescimento.
O Conjunto Urbanístico de Brasília: Patrimônio da Humanidade
Brasília, inaugurada em 1960, é um marco na história do urbanismo mundial. Planejada por Lúcio Costa e com edifícios icônicos projetados por Oscar Niemeyer, a cidade foi concebida para ser a capital do Brasil e um símbolo da modernidade e progresso do país. Em 1987, seu conjunto urbanístico-arquitetônico foi reconhecido como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela Unesco, uma honra que destaca a importância global da cidade e impõe a responsabilidade de preservar sua integridade.
A área protegida compreende 112,25 km², incluindo o Plano Piloto, Cruzeiro, Candangolândia, Sudoeste/Octogonal e o Setor de Indústrias Gráficas (SIG), além do Parque Nacional de Brasília e o Lago Paranoá. É um espaço que abriga as sedes dos Três Poderes da República, uma parte significativa das atividades econômicas do Distrito Federal, além de milhares de residências.
A Longa Caminhada do PPCUB
A sanção do PPCUB representa o culminar de um processo que levou 15 anos para se concretizar. Com 782 páginas, o plano reúne toda a legislação urbanística das áreas mencionadas e estabelece diretrizes para o futuro desenvolvimento urbano de Brasília. O plano passou por um rigoroso processo de debate, com 28 reuniões em câmaras técnicas do Conselho de Planejamento Urbano e Territorial (Conplan), além de oito audiências públicas promovidas pelo GDF e cinco audiências na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Foram apresentadas 174 emendas ao plano antes de sua aprovação em dois turnos por três quartos dos deputados distritais. Finalmente, o texto foi submetido ao governador Ibaneis Rocha (MDB), que sancionou a lei com 63 vetos, retirando pontos considerados mais polêmicos e que poderiam comprometer a preservação do projeto original de Brasília.
O Desafio de Preservar sem Engessar o Desenvolvimento
A preservação do patrimônio histórico e cultural de Brasília é uma tarefa complexa, especialmente em uma cidade que continua a crescer e a se transformar. O PPCUB tem como objetivo atualizar as normas de ocupação do solo, garantindo a preservação da cidade planejada, mas também permitindo que Brasília se adapte às novas necessidades de sua população e às demandas econômicas.
O secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação do DF, Marcelo Vaz, ressaltou que a análise do plano foi criteriosa, levando em conta aspectos jurídicos, técnicos e políticos. Segundo ele, o objetivo do governo é garantir segurança jurídica e atualizar as normas sem comprometer a preservação do conjunto urbanístico original da cidade.
Controvérsias e Preocupações: Riscos ao Patrimônio
Apesar dos esforços do governo para mitigar os impactos das mudanças propostas no PPCUB, há preocupações de que o plano possa colocar em risco o título de Patrimônio Histórico e Cultural de Brasília. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) criou um grupo de trabalho interdisciplinar para avaliar os impactos do plano e acompanhar a análise dos vetos pela CLDF, com a possibilidade de questionar a constitucionalidade da lei, caso se identifiquem conflitos com a legislação federal.
Leiliane Rebouças, criadora do movimento social Guardiões de Brasília Patrimônio Humanidade, é uma das vozes críticas ao PPCUB. Ela argumenta que o plano pode violar a Portaria nº 314/1992 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que regulamenta o tombamento de Brasília, e acredita que a lei terá que ser judicializada para garantir a preservação do patrimônio da cidade.
Outra preocupação destacada por críticos é a falta de diagnósticos adequados, como estudos de impacto ambiental e de trânsito, que deveriam ter sido realizados antes da implementação do plano. O professor Frederico Flósculo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), classifica o PPCUB como um “plano provinciano”, que desconsidera a vocação de Brasília como capital federal e centro de poder, sem considerar as necessidades futuras de ocupação dos Três Poderes.
Participação Social: Um Elemento Essencial
A participação social é um dos pilares fundamentais no planejamento urbano, especialmente em uma cidade com a complexidade de Brasília. Embora o PPCUB tenha passado por diversas audiências públicas e consultas com representantes da sociedade civil, há críticas quanto à efetividade dessa participação.
Ludmila Correia, coordenadora da Comissão de Política Urbana e Ambiental do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CAU/DF) e professora de política urbana no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), defende que o desenvolvimento urbano deve ser compatível com a preservação do patrimônio e que isso só pode ser alcançado com uma participação social efetiva. Ela destaca a importância de reconhecer as diferentes visões existentes na cidade para garantir que o plano reflita as necessidades e desejos da população.
Juliano Carvalho, coordenador do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), órgão que assessora a Unesco em questões de patrimônio, compartilha essa visão. Ele alerta que a ausência de participação social no desenvolvimento dos projetos derivados do PPCUB pode comprometer a qualidade de vida dos moradores e a preservação do patrimônio.
Telmo Amand Ribeiro, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHGDF), também expressa preocupação com a falta de participação efetiva da população no processo. Ele critica a forma como as audiências públicas foram conduzidas, argumentando que a divulgação foi insuficiente e que isso limitou a participação da sociedade.
Degradação e Desigualdade: Desafios Permanentes
A preservação do patrimônio histórico de Brasília não é apenas uma questão de manter a integridade física dos edifícios e espaços urbanos, mas também de enfrentar problemas sociais e ambientais que afetam a cidade. A degradação de áreas protegidas e a desigualdade social são questões que continuam a desafiar a capital federal.
O professor emérito da UnB, Frederico Holanda, destaca que Brasília é uma das cidades mais excludentes do Brasil, e que o PPCUB pode agravar essa situação ao permitir a “privatização da orla do Lago Paranoá” e a construção de hotéis em áreas destinadas originalmente para outros fins. Ele alerta que essas ações podem aumentar a segregação social e comprometer o acesso público a espaços que deveriam ser de uso comum.
Juliano Carvalho acrescenta que a degradação do patrimônio de Brasília é um processo crônico que se arrasta há décadas e que a perda do título de Patrimônio da Humanidade pode ocorrer se esse processo não for revertido. Ele acredita que o PPCUB é um documento híbrido, com aspectos positivos e negativos, mas ressalta a importância de monitorar de perto a implementação do plano para evitar danos irreversíveis ao patrimônio da cidade.
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O Futuro de Brasília: Modernização com Preservação
Brasília está prestes a completar 65 anos de inauguração, e em breve ultrapassará o tempo que o Rio de Janeiro teve como capital da República. À medida que a cidade se aproxima dessa marca, o desafio de equilibrar modernização e preservação torna-se cada vez mais urgente.
O PPCUB é um passo importante na busca desse equilíbrio, mas é fundamental que sua implementação seja acompanhada de perto por todas as partes interessadas, incluindo o governo, a sociedade civil, o setor privado e a comunidade internacional. A preservação do patrimônio histórico e cultural de Brasília não é apenas uma responsabilidade local, mas um compromisso com o mundo, que reconheceu na capital brasileira um símbolo de modernidade e inovação.
Preservação como Prioridade
O Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília representa um marco na gestão urbana da capital federal. Ele surge em um momento crucial, onde a preservação do patrimônio histórico e cultural deve ser equilibrada com as necessidades de crescimento e modernização da cidade. No entanto, as preocupações expressas por vários setores da sociedade indicam que a implementação do plano precisará ser conduzida com cautela e transparência.
A participação social, a realização de estudos de impacto adequados e o respeito à legislação federal de preservação do patrimônio são elementos chave para garantir que Brasília continue a ser um exemplo mundial de urbanismo e arquitetura, sem comprometer seu título de Patrimônio da Humanidade. A sanção do PPCUB deve ser vista como o início de um processo contínuo de diálogo e colaboração entre todos os envolvidos na preservação e desenvolvimento da capital do Brasil. Somente assim poderemos garantir que Brasília mantenha sua essência e continue a ser um símbolo de inovação e modernidade para o mundo inteiro.
Com informações da Agência Brasil