Nos últimos anos, o avanço da tecnologia e a popularização de aplicativos de navegação têm facilitado a vida de milhões de motoristas em todo o mundo. Entre esses aplicativos, o Waze se destaca por sua capacidade de fornecer informações em tempo real sobre o trânsito, permitindo que os usuários evitem congestionamentos, acidentes e outros obstáculos. Contudo, uma das funcionalidades do Waze, a divulgação de pontos de bloqueio policiais, gerou uma acalorada discussão, especialmente no Distrito Federal, onde a Polícia Militar (PMDF) abriu uma guerra contra o aplicativo, alegando que ele presta um desserviço à sociedade.
A polêmica em torno da função de compartilhamento de blitze
O Waze é um aplicativo colaborativo, onde os próprios usuários contribuem com informações sobre as condições das vias. Entre as várias funcionalidades, uma que se tornou alvo de críticas é a possibilidade de reportar a localização de blitze policiais. Embora essa função possa ser vista como um benefício para os motoristas que desejam evitar multas ou atrasos, ela tem sido duramente criticada por autoridades de segurança pública, que apontam para os riscos associados à divulgação desses dados.
Em Brasília, a questão ganhou destaque após o coronel Edvã Sousa, conforme reportagem do Jornal de Brasília, o comandante do Comando de Policiamento de Trânsito (CPTran-PMDF), solicitar à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) que notificasse o Waze sobre os usuários que informam a localização de blitzes policiais. Segundo o coronel, a divulgação dessas informações compromete o sucesso das operações de segurança e fiscalização, facilitando a vida de criminosos e infratores.
A preocupação da PMDF é que a divulgação dessas informações em tempo real por meio do aplicativo pode comprometer o sucesso das operações de segurança e fiscalização. Segundo a corporação, muitos motoristas têm utilizado o Waze para evitar blitze e pontos de bloqueios, dificultando o trabalho de prevenção ao crime e a identificação de condutores que possam estar sob efeito de álcool, em situação irregular ou cometendo infrações de trânsito.
O impacto na segurança pública
A preocupação da PMDF é compreensível, uma vez que as blitzes policiais não são apenas uma ferramenta para flagrar motoristas embriagados, mas também desempenham um papel crucial na repressão ao tráfico de drogas, na retirada de armas de fogo ilegais das ruas, no combate a sequestros-relâmpagos e na recuperação de veículos roubados. A divulgação da localização dessas operações em tempo real por meio do Waze pode comprometer a eficácia dessas ações, permitindo que criminosos evitem a fiscalização.
De acordo com o coronel Edvã Sousa, em entrevista ao Jornal de Brasília, ressaltou que a divulgação desses dados pelo Waze coloca em risco a eficácia das ações policiais, uma vez que criminosos e infratores podem se valer da ferramenta para evitar o policiamento. “Desde a criação do CPTran, em 2017, decidimos focar em algumas infrações de trânsito que atentam diretamente contra o bem maior tutelado pelo Estado, a vida. Com isso, elegemos, entre tantas outras, o uso do celular ao volante, o uso do cinto de segurança e, principalmente, a alcoolemia (dirigir embriagado), responsável pela maioria das mortes no trânsito. Conseguimos, assim, reduzir gradativamente as estatísticas fatais. Mas, infelizmente, notamos que, nos últimos três anos, a população passou a marcar ainda mais a localização da polícia no aplicativo Waze”, lamenta o oficial.
O dilema entre tecnologia e segurança
A questão levantada pela PMDF em relação ao Waze não é isolada. Em várias partes do mundo, as forças de segurança têm enfrentado desafios semelhantes devido ao uso de tecnologias que, embora desenvolvidas para facilitar a vida das pessoas, podem acabar sendo usadas de forma inadequada. Nos Estados Unidos, por exemplo, a polícia de Miami adotou uma estratégia para tentar confundir as notificações do Waze, inserindo informações falsas sobre a localização de viaturas na cidade. A medida visa tornar a informação fornecida pelo aplicativo menos confiável para os motoristas, numa tentativa de proteger tanto os oficiais quanto o público.
O sargento Javier Ortiz, presidente da Ordem Fraternal da Polícia de Miami, ressaltou que a divulgação da localização dos policiais coloca todos em risco, podendo provocar encontros mais perigosos entre policiais e suspeitos. Ele destacou ainda que a informação precisa poderia ser usada por criminosos para realizar ataques, como o que, em dezembro de 2014, matou dois policiais de Nova Iorque em uma emboscada.
Por outro lado, defensores do Waze argumentam que o aplicativo pode, na verdade, contribuir para a segurança no trânsito, ao incentivar os motoristas a dirigirem com mais cautela quando sabem que há uma blitz policial nas proximidades. A porta-voz do Waze, Julie Mossler, afirmou que o app poderia ajudar a melhorar a segurança no trânsito, pois a maioria dos usuários tende a desacelerar ao saber que um oficial da lei está por perto.
A resposta da Secretaria de Segurança Pública do DF
Diante da solicitação da PMDF, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) informou que está avaliando as medidas legais e técnicas cabíveis para notificar o Waze. Em nota, a SSP-DF confirmou que recebeu o ofício do CPTran e encaminhou a solicitação para análise dos setores técnicos responsáveis. Uma das possibilidades em discussão é a solicitação à empresa para que remova ou restrinja a exibição dessas informações no aplicativo, especialmente durante a realização de operações policiais sensíveis.
Essa iniciativa da SSP-DF pode abrir precedentes para outras regiões do país e até mesmo para que empresas de tecnologia revisem suas políticas de privacidade e segurança. O debate em torno do Waze e da sua função de compartilhar a localização de blitzes policiais levanta questões importantes sobre o uso de tecnologias de informação e a linha tênue entre a privacidade dos usuários e a necessidade de garantir a segurança pública.
O debate sobre privacidade e segurança
A medida solicitada pela PMDF, e agora em análise pela SSP-DF, levanta um debate mais amplo que envolve a privacidade dos usuários, a transparência e o acesso à informação, e a necessidade de garantir a segurança pública. A possibilidade de compartilhar informações em tempo real sobre a localização de blitzes policiais tem sido vista por muitos como uma invasão à privacidade dos motoristas e uma forma de cercear a liberdade de expressão.
Entretanto, essa visão contrapõe-se à necessidade de garantir a segurança pública e à responsabilidade que todos os cidadãos têm em colaborar com as autoridades no combate ao crime. O dilema reside em encontrar um equilíbrio entre o direito à informação e a privacidade dos cidadãos, e a necessidade de proteger a sociedade como um todo.
O impacto na legislação de trânsito
A controvérsia em torno do Waze e a solicitação da PMDF para que o aplicativo seja notificado pelo compartilhamento de informações sobre blitzes policiais também suscita discussões sobre a necessidade de alterações na legislação de trânsito. Desde 2013, dois Projetos de Lei (PL) foram apresentados no Congresso Nacional que propunham mudanças no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) para coibir a disseminação de informações sobre operações de fiscalização.
O mais recente, o PL 7094/2017, apresentado pelo deputado Hugo Leal (PSD-RJ), foi aprovado pela Comissão de Viação e Transporte (CVT) em 2018 e ainda está em trâmite na Câmara dos Deputados, aguardando designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). O projeto propõe a inclusão do Artigo 312-B no CTB, estabelecendo penas de detenção, de um a dois anos, ou multa para quem disseminar, divulgar ou difundir, em redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas, locais, datas e horários de atividade de fiscalização dos agentes da autoridade de trânsito.
A relatora do projeto na CVT, deputada Christiane de Souza Yared (PR-PR), argumentou que o direito constitucional à liberdade de informação e expressão não pode se sobrepor aos interesses maiores da sociedade. “Nós vemos que as pessoas insistem em avisar umas às outras pelos aplicativos que existe uma blitz ali ou aqui e isto implica em que não é só apenas a questão da embriaguez ao volante, é a questão do drogado que está ao volante, do assassino, daquele que raptou uma criança, de todos esses bandidos que geram essas tragédias para a nação inteira”, justificou a parlamentar.
O embate entre a PMDF e o Waze reflete um desafio crescente enfrentado pelas autoridades de segurança pública em um mundo cada vez mais conectado e digitalizado. A tecnologia, que trouxe tantos benefícios para a sociedade, também apresenta novos riscos e desafios, exigindo uma adaptação constante das estratégias de segurança.
A solicitação da PMDF para que o Waze seja notificado pelo compartilhamento de informações sobre blitzes policiais é uma tentativa de lidar com um problema real, mas também levanta questões importantes sobre o equilíbrio entre a privacidade dos cidadãos e a segurança pública. À medida que a Secretaria de Segurança Pública do DF avalia as medidas cabíveis, é essencial que o debate continue envolvendo não apenas as autoridades, mas também a sociedade como um todo, para que se possa encontrar soluções que garantam a segurança sem comprometer os direitos fundamentais dos cidadãos.
Em última análise, o caso do Waze e da PMDF é um exemplo claro de como a tecnologia pode tanto ajudar quanto atrapalhar as ações de segurança pública. Cabe agora às autoridades, aos legisladores e à sociedade como um todo encontrar um caminho que permita aproveitar os benefícios das novas tecnologias sem abrir mão da segurança e da proteção da vida.