O crescente reconhecimento da importância da economia de cuidado levou a Organização Internacional do Trabalho (OIT) a fazer um apelo urgente por mudanças radicais nas políticas que regem esse setor. Em um novo relatório, a OIT destaca a necessidade de aumentar significativamente os investimentos na economia de cuidado para evitar uma crise global iminente, causada pela disparidade entre a demanda crescente por serviços de cuidado e a infraestrutura existente, que é inadequada para lidar com essa pressão.
A economia de cuidado refere-se às atividades que envolvem o cuidado de crianças, idosos, pessoas com deficiência e outros dependentes. Esses serviços incluem tanto o cuidado direto, como o fornecimento de suporte emocional e físico, quanto o cuidado indireto, como manter um ambiente seguro e saudável. Apesar de sua importância crítica para o funcionamento da sociedade, a economia de cuidado historicamente recebeu pouca atenção em termos de políticas públicas e investimentos.
O peso desproporcional sobre as mulheres
Um dos principais pontos abordados pelo relatório da OIT é a disparidade entre os gêneros na distribuição das responsabilidades de cuidado. Os dados são claros: as mulheres são responsáveis por mais de três quartos do tempo gasto em trabalho de cuidado não remunerado. Em termos práticos, isso significa que milhões de mulheres em todo o mundo estão dedicando horas significativas a tarefas de cuidado sem receber remuneração, o que limita suas oportunidades de participar plenamente do mercado de trabalho formal.
Segundo o relatório, 16,4 bilhões de horas por dia são dedicadas ao trabalho de cuidado não remunerado globalmente. Se esse trabalho fosse valorizado com base em um salário mínimo, representaria 9% do PIB global, ou US$ 11 trilhões. Isso revela a magnitude do impacto econômico do trabalho de cuidado, mesmo que invisível em termos de mercado formal.
A disparidade de gênero no trabalho de cuidado não é apenas uma questão de tempo, mas também de oportunidade. O relatório destaca que, em 2018, 606 milhões de mulheres em idade ativa relataram não poder trabalhar devido às responsabilidades de cuidado não remunerado, em comparação com apenas 41 milhões de homens. Isso ilustra como as normas sociais e a estrutura da economia de cuidado afetam desproporcionalmente as mulheres, criando barreiras para sua participação no mercado de trabalho e perpetuando a desigualdade de gênero.
A crise na economia de cuidado
O relatório da OIT alerta que a demanda por serviços de cuidado está crescendo rapidamente, e que essa tendência continuará nos próximos anos. Em 2015, 2,1 bilhões de pessoas precisavam de cuidados, número que deverá aumentar para 2,3 bilhões até 2030. Esse aumento se deve, em grande parte, ao envelhecimento da população, ao crescimento do número de crianças e à prevalência de novas configurações familiares, como famílias nucleares e aquelas chefiadas por um único pai ou mãe.
Se as políticas públicas não se ajustarem a essa nova realidade, o mundo enfrentará uma crise global na economia de cuidado, que ampliará as desigualdades de gênero no mercado de trabalho. A principal autora do relatório, Laura Addati, enfatiza que as políticas inadequadas até agora estão criando um déficit não apenas na quantidade de cuidadores disponíveis, mas também na qualidade do trabalho realizado nesse setor.
A OIT alerta que, se os investimentos na economia de cuidado não forem duplicados até 2030, as pressões sobre o sistema de cuidado se tornarão insustentáveis. Esses investimentos são necessários tanto para criar novos empregos quanto para melhorar as condições de trabalho de quem já atua nesse setor, especialmente as mulheres, que compõem a maioria da força de trabalho na economia de cuidado, muitas vezes em empregos informais e mal remunerados.
O potencial de criação de empregos na economia de cuidado
Um aspecto positivo destacado pelo relatório é o potencial da economia de cuidado para gerar empregos. A OIT estima que, se os investimentos no setor forem duplicados, cerca de 269 milhões de novos empregos poderiam ser criados até 2030, somando um total de 475 milhões de trabalhadores empregados no setor globalmente. Esse investimento seria de aproximadamente US$ 18,4 trilhões, representando 18,3% do PIB mundial projetado para o período.
Esses empregos seriam criados principalmente nas áreas de educação, saúde e assistência social, setores que já estão sob pressão devido ao aumento da demanda. Além de gerar empregos, o fortalecimento da economia de cuidado permitiria aos países alcançar metas relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), incluindo saúde e bem-estar (ODS 3), educação de qualidade (ODS 4), igualdade de gênero (ODS 5) e trabalho decente (ODS 8).
A qualidade dos empregos na economia de cuidado
Embora o potencial de criação de empregos seja significativo, o relatório também destaca a precariedade dos empregos atualmente existentes na economia de cuidado. A maioria dos trabalhadores desse setor são mulheres, muitas delas migrantes, que frequentemente enfrentam condições de trabalho precárias e recebem baixos salários. Esses trabalhadores também são, muitas vezes, empregados no setor informal, sem acesso a proteções trabalhistas ou benefícios sociais.
Melhorar as condições de trabalho na economia de cuidado é essencial não apenas para garantir o bem-estar dos trabalhadores, mas também para melhorar a qualidade dos serviços prestados. Um dos principais desafios enfrentados pelo setor é a baixa qualidade do trabalho de cuidado, muitas vezes resultado de uma infraestrutura inadequada e da falta de treinamento e suporte para os cuidadores.
A OIT defende que as mudanças nas políticas devem incluir medidas para “reconhecer, reduzir e redistribuir” o trabalho de cuidado não remunerado, além de garantir trabalho decente para todos os trabalhadores do setor, incluindo os domésticos e os migrantes.
Políticas de cuidado e igualdade de gênero
A desigualdade de gênero no trabalho de cuidado não remunerado é uma barreira significativa para o progresso das mulheres no mercado de trabalho. Mesmo em países onde houve avanços nas últimas duas décadas, a diferença no tempo dedicado ao cuidado entre homens e mulheres diminuiu apenas 7 minutos por dia. A esse ritmo, serão necessários 210 anos para alcançar a igualdade de gênero no trabalho de cuidado não remunerado.
Para acelerar o progresso, a OIT defende a adoção de políticas que garantam acesso universal a serviços de cuidado acessíveis e de qualidade. Isso inclui o aumento da oferta de creches, o fortalecimento dos serviços de cuidados de longo prazo para idosos e a introdução de licenças parentais remuneradas, tanto para mães quanto para pais.
Essas políticas não apenas ajudariam a reduzir a carga de trabalho de cuidado não remunerado sobre as mulheres, mas também permitiriam que mais mulheres participassem do mercado de trabalho, contribuindo para o crescimento econômico e a redução das desigualdades de gênero.
A economia de cuidado está no centro de um dos maiores desafios globais do século XXI: como garantir que as necessidades crescentes de cuidado sejam atendidas de forma justa e sustentável. O relatório da OIT destaca a necessidade urgente de investimentos significativos e mudanças radicais nas políticas para evitar uma crise global no setor.
Duplicar os investimentos na economia de cuidado até 2030 não é apenas uma questão de evitar um colapso; é também uma oportunidade de criar milhões de novos empregos, promover a igualdade de gênero e garantir que todos tenham acesso a cuidados de qualidade. À medida que o mundo enfrenta desafios demográficos e sociais crescentes, o fortalecimento da economia de cuidado se torna uma prioridade inadiável.